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NUTRIÇÃO EM PAUTA: saudável pra quem?

Por Rafael Bastos
Foto: Getty Images

Antes de tudo, para qualquer caminhar, sempre será preciso dá o primeiro passo. Não seria diferente nesse espaço, aqui nesse canal.

Nunca se falou tanto em alimentação, nutrição, dietas, emagrecimento, longevidade, nutrientes. Enfim! Pauta em torno do que comer, como comer, pra que comer se tornou ao longo da última década um palco de discursos, teorias, métodos e toda classe de informações confusas e contraditórias.

É curioso, que ainda que falemos tanto sobre esses assuntos, que tenhamos tanto acesso à informações, na palma do celular, nunca estivemos num abismo inimaginável. Nós não sabemos e esquecemos algo primitivo e intrínseco à natureza humana: como comer!

Sim, nós não sabemos como comer! Que contradição absurda. Já reparou que somos os únicos seres no planeta que precisa de um outro individuo para te dizer como se alimentar? Reflita aí!
Cachorros, gatos, papagaio, periquitos… sabem o que comer, quando e como.
Nós também sabíamos. Apenas nos perdemos. O bebê ao nascer, colocado no colo de sua mãe procura o peito!
Genuinamente sabemos que a fonte de nosso sustento alimentício está ali, é só sugar o líquido nutritivo que sai dos peitos de nossas mães. Crescemos e começamos a nos perder no mar agitado de conceitos, cobranças, regras, diretrizes ditados por outros.

Atualmente, a gente não come mais um bolo de cenoura com chocolate, isso é carboidrato. Não comemos mais um belo corte de alcatra assado na brasa, isso é proteína. Esquecemos que ali, no bolo, na alcatra estão inseridos uma série de elementos que transcendem a bioquímica nutricional, que tabela cada componente de qualquer alimento.

Não que seja irrelevante conhecer o que colocamos no prato, mas assim como o avião foi inventado por Santos Dummont para conectar pessoas e lugares, se perdendo e sendo utilizado para estratégias comerciais e bélicas. O entendimento dos nutrientes nos tirou as sensações de ligações com a comida, nos jogando na guerra do que se pode ou não comer, apenas centrada no nutriente.

Esquecer que o bolo de cenoura é uma comida repleta de outros significados reduzindo- o ao carboidrato ( nutriente) é o que pesquisador australiano Gyorgy Scrinis, chama de Nutricionismo. Segundo o autor esse conceito trata-se do foco restrito ao nutriente, sem considerar sua interação com outros nutrientes também presentes e a qualidade do alimento em si. Essa ideia esquece também de observar a combinação entre alimentos e o padrão alimentar.

Trata- se de um reducionismo perigoso, que nos faz andar no sentido contrário, nos levando a um desencontro com a comida e as relações que exercemos em torno dela.
Comer se tornou um pesadelo para muitas pessoas, haja vista o crescimento exponencial de transtornos alimentares como bulimia, anorexia, transtornos de imagem, vigorexia…A ditadura do que comer se tornou uma indústria adoecedora.

Cunhou-se o termo saudável e tentou-se universalizar. Se temos um padrão centrado no nutriente, no sentido de saudável estabelecido em torno do que se deveria comer para viver dentro de um padrão estabelecido. Negligenciamos as individualidades.

“Saudável pra quem?”

Por que um prato de salada é rotulado como saudável e a fatia de bolo de chocolate com uma calda suculenta de chocolate é uma bomba calórica cheia de carboidratos (não sou quem disse isso, tá posto pelas regras, hein)?
O nutricionismo, nos afasta da comida, do comer genuíno. O comer despreocupado, sem contabilizar internamente quantos km precisaremos correr para queimar uma simples fatia de bolo. Há quanto tempo, prezado leitor e leitora, você não come sem que isso surja na sua mente de alguma forma, nem que seja pela intervenção de uma fala que te cerca: “ Ave Maria, enfiei o pé na jaca. Amanhã é foco, força e fé!”

Será mesmo que estamos percorrendo o tal caminho saudável? Que saúde é essa que nos tira a liberdade de escolher o que comer guiados por nossos sentidos, nossas memórias, prazeres, lembranças, sabores?
Há quanto tempo você não senta numa mesa de um café qualquer e come seu bolo sem a sensação interna de algum julgamento. Apenas comer, conectando- se as emoções de cada garfada.
Libertador será, não é? “Liberdade não é libertinagem”, já dizia os mais velhos.

Sim, é preciso sabedoria, consciência nas escolhas. Não saíam por aí falando que mandei vocês comerem todo o bolo daquela padaria, hein?Apenas, os convidei a iniciar o caminho refletindo: Saudável pra quem? Aproveitem o passo dado.

Até mais, estou indo comer meu bolo com café. Aceitam?

Rafael Bastos é nutricionista e mestre em Alimentação e Cultura

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